11 dezembro 2005

Dias de sol


Dias de sol
Onde está o sol?
Fora de mim
Sempre fora de mim
As cores?
Fora de mim
As dores não

Eu tive mais vida
Onde esteve a vida?
Fora de mim
Sempre fora de mim
A alegria?
fora de mim
O medo não

Eu sou o reflexo do que ocorre fora de mim
Eu sou o que empresto do que existe fora de mim
Eu sou a memória de uma vida que não teve fim
Eu sou um apêndice que completa vidas fora de mim
Eu sou um capricho que decora sonhos fora de mim
Eu vivo a história de uma fuga
eu vivo o medo, eu sou a ruga

Sou o melhor companheiro pra dor
Sou quem entende o perdedor
e sou quem dá chão ao que não tentou
Eu sou o tudo que não vingou
Eu sou a morte
Eu sigo sem norte
Sou quem não paga
Sou quem se apaga
Sou quem sufoca
Sou quem se afoga
Sou quem engana e se engana
sou aquele de quem desistem
sou aquele por quem insistem
eu sou aquele

Agora chego à metade da vida
e continuo a cantar:
"tantos projetos em vão,
eu continuo sozinho e sem direção
Tantas razões pra sonhar
e eu continuo acordado esperando passar
toda essa confusão"

Se existisse algo maior
eu só pediria pra ser,
ser e deixar de estar...
estar pensando
estar medindo
estar planejando
estar no limiar do ser
estar esperando um dia sereno pra morrer

Eu queria apenas viver

Que a inconsequência guie os meus passos
e seja a faísca pra que o juízo chegue sempre atrasado à minha porta
Que a culpa saia do meu dicionário chutada pela porta dos fundos
e que a boa índole me guie pro lado direito dos dias sem sol
Que a minha condição me acorde cedo,
e que a minha fala seja mais rápida que o meu pensamento
Que a minha memória se apague, que a minha mente se cale
e que os meus medos apodreçam guardados no esquecimento
Que eu erre tantas vezes quantas me seja possível tentar
mas que eu passe a vida buscando...
e que essa busca seja desesperadamente intensa
pra que não sobre tempo pra o pensar

Que o meu pescoço enrijeça
que me tapem os olhos, como os de uma mula que só carrega os restos
mas que eu não possa olhar pra trás
que eu não possa lamentar pelo que podia ter sido, porque não fui
que eu não possa questionar meus caminhos
que eu não possa relembrar dos acertos
pra que cada recomeço seja único, sem vícios e sem dívidas
que eu viva leve, mas que eu viva inteiro
que eu viva pobre, mas que eu viva em paz
que eu viva só, mas que eu viva completo
que eu viva um dia...
...apenas um dia,
mas que esse dia anoiteça claro.

02/10/2005

Um comentário:

Luciana Gaspar disse...

Que belo texto, Traficantes. Parabéns!