11 setembro 2005

Traficantes de ilusão



Não há antídoto contra o abandono:
monóxido de carbono,
tóxicos que dão sono,
papel carbono demais...
e todas as noites são iguais.

Uma tentação afrodisíaca,
uma obsessão hipocondríaca:
revelar nas fotografias
um fato marcante em nossas biografias.

Pelos sonhos,
a realidade deve pagar;
sermos realistas,
não nos impede de sonhar
e arrastar frustrações,
descartar intromissões,
desacatar imposições,
acatar sensações,
catar restos doidos de paixão
com gestos doídos de compaixão
para com a última namorada,
destilar qualquer emoção
e traficar ilusão na madrugada,
essa dama drogada de solidão.

1991

O Líder


Sob a solidão da madrugada
que se dissolve no desprezo
da energia elétrica dissipada
no cansaço da cidade acordada.
todos os olhares estão pousados
nas inúmeras manchetes dos jornais,
com o peso da descrença generalizada
nos fatos totalmente desgastados
pela mesmice dos problemas sociais.

São páginas que muita gente não lê,
mas escreve todos os dias;
são vítimas da demagogia
de palavras amestradas
e idéias doentias.

E o líder desconhecido
quase que peregrino
no meio da multidão,
em seu silêncio grita
desesperadamente em vão.

1992

Patriotas profissionais



Choram uma lágrima forçada
quando vêem a pátria estuprada
e nunca se levantam da mesa
para tentarem salvá-la.

Na gaveta, a verdade guardada:
receio de ter a cadeira derrubada.

São gângsters do terceiro mundo,
patriotas profissionais,
louvam a carestia,
sustentam multinacionais,
desnutrem bóias-frias,
colecionam serviçais,
manipulam a democracia,
distribuem credenciais,
promovem a pedofilia,
frequentam bacanais,
agradam as oligarquias,
assassinam líderes sindicais.

1991/2000

Caminhos ásperos



Volta e tenta,
se errar, nao esquenta, não;
só quando a gente se enfrenta é que sente
que tudo mudou,
mas o sonho não acabou.

Segue um rumo,
não teme a revolta, não;
só na partida é que a gente se lembra
que um gesto marcou
a ausência de quem ficou.

Solta o teu grito
invicto à luz da razão
e renuncia ao teu rito
contra a liberdade de expressão;
com um verso perdido
no dorso da imaginação,
no voraz retrocesso
do enredo de uma nação.

Abre a mente,
procura uma explicação
para ser mais um radical se entregando
aos esquemas servis
desse jogo de inanição.

1990

Mano a mano


Portando imagens cruas
em nossas mentes dependentes
de uma dose violenta e ágil
de qualquer coisa fácil
de se obter nas ruas,
captamos versos ocasionais,
unindo verbos elementares
e substantivos triviais,
pra num gesto automático
de olhar cinematográfico
contemplarmos o neón do tráfego
sob o dínamo espacial
da noite industrial,
uivando as palavras cultas
com que contemplávamos
os predicados absurdos
de qualquer sujeito oculto
em cada um de nós,
mano a mano com a vida,
envoltos na ferrugem
de qualquer lembrança esquecida
nas canções desconhecidas
que sabemos de cor.
1991

Abrindo o jogo

Amamos os rótulos
e desprezamos os conteúdos,
criticamos os fatos
e invejamos as ações,
fugimos das regras
e não somos exceções.

Nossa culpa é superficial
a desculpa artificial;
as virtudes escapistas
e a alienação total.

Naturalizamos o industrial
e industrializamos o natural;
da tragédia, fazemos a comédia
de chorar por não poder rir
e por nao termos para onde ir,
nos aventuramos no precipício,
sem paraquédas, bem no princípio,
mas era tão raso o abismo,
que no fundo reconhecemos
que adolescemos e adoecemos por isso.

A lição não será ensinada,
pois ainda não foi aprendida,
e se o nosso grito é nulo,
quem dirá ao mundo que somos jovens
sem forças para nada e tempo para tudo?

Perdemos as rédeas,
descemos o chicote
e perdemos o páreo,
mesmo acelerando o trote.

O amanhã é o mesmo de ontem
e será o mesmo amanhã de manhã.

1986

2 heróis


São 2 heróis arrasados nas noites de Sampa,
fugindo das rotinas sexuais insanas
de sherloquear amadoristicamente
as profissionais da noite leviana;
2 heróis tentando não correr o risco
de ver a morte surpreendê-los
muito antes do paraíso.

São 2 heróis solitários,
cansados da indiferença
da cidade imensa e fria,
2 heróis sugando a anastesia
e deposistando fantasias
no fundo de garrafas vazias.

São 2 heróis que a liberdade reclama,
répteis em extinção testando seus faros
se arrastando pelas ruas cegas de Sampa
sem ao menos uma lâmpada
contra a escuridão das noites em claro...

1990

Instrospecção


Bombas explodem
sobre a minha cabeça;
quero me ver a sós,
quero me ater a você.

Sombras me calam no escuro,
mudo eu procuro encontrar
algo que eu tanto persigo
e que só eu posso tentar.

Sem ter que te ver,
eu vou me encontrar em mim;
não sei o lugar,
mas vou procurar até me achar.

Sempre me encontro sozinho,
sempre procuro ser mais
do que talvez eu me julgue,
do que eles pensam que eu seja.

Meço a grandeza do espaço
e sinto caber em alguém;
quero só ter a mim mesmo,
quero não ser mais ninguém.

1989

Pátria


Desconta o teu vício
de ser livre para sempre
e não sofrer nunca mais
no teu lema sagrado,
escrito num suplício
inspirado na paz.

Deixa a gente pensar
que nada mancha
e tudo pode se apagar.

E a gente se tortura
até não mais aguentar,
se vai e quer voltar
e quando vai de novo,
mais velho está,
menos se pode tentar
esquecer o que se foi
sem saber onde vai dar,
esperar que um dia
tudo possa terminar.

1989

Nós, nova geração


Fico sempre olhando pra você,
imaginando novas cenas entre nós,
eu passo o dia todo tentando entender
a que limite o mundo tende a nos levar.

Leio cartas antigas,
me perco no tempo,
procuro forças pra encontrar
alguém que me diga porque
tanta insistência em manter oculto
o passado de nós, nova geração,
atos reprimidos,
promessas de um novo verão;
nós, nova geração,
fatos concebidos
por vícios comuns de acepção.

Tanta gente vivendo sem razão,
só esperando que algum dia
alguém lhes diga se exista ou não
uma missão a ser cumprida por nós,
que ainda podemos levar adiante
esse mundo tão desigual
que aos poucos se acaba nas mãos
daqueles que nos rotularam o futuro e pararam.

Nós, nova geração,
sempre a espera de sim
(ou não?)

1987